'Parei de tocar', diz guitarrista de banda que se apresentou em boate


Rodrigo Martins e baterista Eliel de Lima falaram sobre o início do incêndio. Instrumentistas não sabem dizer quem acionou efeito pirotécnico.

 Ainda abalados com o incêndio que deixou pelo menos 231 pessoas mortas na boate Kiss durante uma festa universitária em Santa Maria (RS), o baterista Eliel de Lima, de 31 anos, e o guitarrista Rodrigo Lemos Martins, de 32 anos, disseram na manhã desta segunda (28) que não viram quem acionou o efeito pirotécnico. Os dois são músicos contratados da banda Gurizada Fandangueira, que tocava no momento da tragédia.
O vocalista da banda e um responsável pela segurança do palco foram presos no município de Mata nesta manhã.
Já em Rosário do Sul, cidade da região central do estado, os dois ainda lamentavam a morte do colega e sanfoneiro Danilo Jaques. "Não sei dizer quem começou a queima dos fogos. Normalmente é a equipe técnica que decide isso", contou Eliel, que toca com o grupo há nove meses.
Rodrigo acompanha o grupo há apenas dois meses e disse não gostar do efeito especial, que já havia sido utilizado em outras apresentações. "Nunca gostei do cheiro que deixava. Mas somos empregados, quem manda são os donos", disse. Sobre o futuro na música, o guitarrista se disse esgotado. Ele afirmou que decidiu deixar o grupo. "Da minha parte, eu parei de tocar", afirmou Rodrigo.
Eliel revelou que nunca pensou que a pirotecnia pudesse causar uma tragédia de tamanhas proporções. "Não posso dizer se causaria ou não um incêndio. Não acontecia em todos os shows, era muito rápido e acionado somente em algumas músicas", disse o baterista.
Na madrugada de domingo, o grupo havia subido ao palco e tocado cerca de cinco músicas. Por volta das 2h30, sinalizadores foram acionados para realizar o efeito "gaitaço". "Quando estávamos na segunda música após o efeito, senti pingos do teto. Quando vi, estava pegando fogo. O percussionista até tentou jogar água. Um segurança veio com um extintor, mas ele não funcionou. O cantor também tentou acioná-lo", lembrou Rodrigo. O incêndio provocou pânico e muitas pessoas não conseguiram acessar a saída de emergência.
No tumulto, os músicos largaram os instrumentos e correram para a porta de saída da boate (que era também a de entrada). "Com a fumaça preta que espalhou rápido, não vi mais nada. A estrutura da boate tem uma porta de entrada, uma parede e mais duas portas. A dificuldade aumentou umas 500 vezes. E depois, na saída, ainda havia as grades da área de fumantes", explicou Eliel. Em lágrimas, o músico agradeceu a Deus por ter conseguido se salvar. "O sentimento é muito triste. Perdemos um amigo, não podemos mais falar com ele", disse, emocionado.
Rodrigo disse que acredita que faltou sinalização da boate para a saída de emergência. "Queremos justiça. Não temos culpa de nada. Não queríamos perder um companheiro."
Incêndio
O incêndio começou por volta das 2h30 de domingo, durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que utilizou sinalizadores para uma espécie de show pirotécnico. Segundo relatos de testemunhas, faíscas de um equipamento conhecido como "sputnik" atingiram a espuma do isolamento acústico, no teto da boate, dando início ao fogo, que se espalhou pelo estabelecimento em poucos minutos.
A festa "Agromerados" reunia estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, dos cursos de pedagogia, agronomia, medicina veterinária, zootecnia e dois cursos técnicos.
Pelo menos 101 das vítimas identificadas eram estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, segundo informou a instituição em sua página na internet.

Sanfoneiro Danilo Jaques, que aparece acima de camisa azul e blazer preto, morreu durante o incêndio (Crédito: Arquivo Pessoal)
O comandante do Corpo de Bombeiros da região central do Rio Grande do Sul, tenente-coronel Moisés da Silva Fuch, disse que o alvará de funcionamento da boate estava vencido desde agosto do ano passado.
"Fatalidade"
Por meio dos seus advogados, a boate Kiss se pronunciou sobre a tragédia. A direção do estabelecimento classificou o ocorrido como uma "fatalidade", afirmou que a empresa está em "situação regular" e à disposição das autoridades.
Em depoimento à Polícia Civil, Elissandro Sphor, um dos donos da casa noturna, disse que sabia que o alvará de funcionamento estava vencido, mas que já havia pedido a renovação. Ele também culpou a banda Gurizada Fandangueira pelo início do incêndio, segundo o delegado Sandro Meinerz.
O dono da boate Kiss também negou tenha ordenado aos seguranças que impedissem a saída dos jovens da festa na hora que o fogo começou. Sphor, que estava na boate quando a tragédia ocorreu, negou ainda ter retirado do local o computador que armazenava as imagens gravadas pelas câmeras de segurança da boate. O gravador sumiu do local, segundo Meinerz, responsável pelo caso.

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