Campanha reacende debate sobre excesso de remédios para crianças.

Conselho Federal de Psicologia propõe 'Não à medicalização da vida'. Especialistas apontam prós e contras de medicação contra hiperatividade.


Campanha quer discutir abuso de remédios em crianças.
Uma campanha nacional chamada "Não à medicalização da vida", lançada esta semana na Câmara dos Deputados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), reacende as discussões sobre o excesso de diagnóstico de hiperatividade em crianças e adolescentes e o uso indiscriminado de remédios, que deixa o Brasil atrás apenas dos EUA nesse quesito.
Segundo a conselheira do CFP Marilene Proença, que também é professora de psicologia escolar e educacional na Universidade de São Paulo (USP), muitos menores de idade antigamente considerado apenas agitados hoje são classificados como hiperativos, em grande parte das vezes sem apresentarem o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), doença que causa sintomas como desatenção, inquietação e impulsividade.
“Hiperatividade é uma patologia neurológica, e acabamos inserindo essa palavra no nosso vocabulário de forma errada. Se a questão for comportamental, devemos tratá-la com terapia, para que a criança encontre outras estratégias ao se relacionar com o mundo”, diz Marilene.
Na opinião da conselheira, o medicamento pode funcionar apenas como um paliativo para resolver problemas mais profundos, da escola ou da família.
“Nosso grande questionamento é por que a criança não está atenta aos conteúdos no colégio. A verdade é que a estrutura de ensino ainda é muito precária e não atende às necessidades de desenvolvimento dos estudantes. Mas, em vez de mudarmos a forma de lecionar, estamos culpando a criança, alegando que ela tem um problema orgânico que a impede de se comportar direito e aprender. É uma inversão”, ressalta.
Marilene afirma que a USP tem um serviço de orientação à queixa escolar, em que se investiga por que o aluno fica disperso nas aulas.
“A criança não nasce dispersa, ela observa tudo. As perguntas que devemos fazer são: ‘O que chama a atenção dela? Por que ela se mantém focada em certas coisas e em outras não?’ Assim, podemos levantar hipóteses sobre a relação de pais, filhos e professores, e depois intervir”, diz.
Ritalina em alta

De acordo com conselheira do CFP, dados apontam que o Brasil saltou de 71 mil caixas do medicamento Ritalina (nome comercial do composto cloridrato de metilfenidato) vendidas nas farmácias em 2000 para 2 milhões em 2010. Isso sem contar o que foi administrado no Sistema Único de Saúde (SUS).
No ano passado, o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que reúne 45 entidades, enviou uma carta aos 645 municípios paulistas para saber quantos compram Ritalina na rede pública.
Dos 257 que responderam, 154 disseram que adquirem o medicamento: em 2005, foram 54 mil comprimidos no total e, em 2010, 946 mil – um aumento de mais de 17 vezes. Nesses cinco anos, o número de prescrições no SUS subiu na mesma proporção.
Marilene ressalta que a Ritalina é um remédio de tarja preta, da família das anfetaminas, que incide sobre o sistema nervoso central e tem vários efeitos colaterais, como taquicardia, perda de apetite, boca seca, enjoo e insônia.
Além do TDAH, o cloridrato de metilfenidato é recomendado em alguns casos de narcolepsia (distúrbio do sono) e depressão em adultos e idosos. Outro medicamento, chamado Venvanse (cuja substância ativa é lisdexanfetamina), tem sido usado no tratamento, com efeito mais prolongado.
Diagnóstico de TDAH

Antes de prescrever um medicamento, porém, é preciso fazer um diagnóstico clínico do paciente, o que pode levar de uma a três conversas com a criança ou adolescente e com familiares, destaca o psiquiatra Ênio Roberto Andrade, diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) em São Paulo.
“Para diferenciar uma criança inquieta de uma hiperativa, é preciso ver se há prejuízo social, familiar ou escolar. Esse aumento no diagnóstico ocorreu porque a base de cálculo anteriormente era muito baixa”, explica o médico.
Andrade enfatiza que muitas vezes o menor não tem nenhuma doença, apesar de pais e professores se incomodarem com o comportamento apresentado.
“Criança não é um adulto em miniatura. O normal é que ela dê trabalho, e é o contrário o que nos preocupa”, diz.
Em caso de diagnóstico positivo, o psiquiatra acredita que a melhor abordagem seja mesmo a medicação, indicada geralmente a partir dos seis anos de idade. Como o problema é crônico, o remédio pode ser administrado durante anos – geralmente dois comprimidos por dia, com duração de 4h a 12h – e interrompido após passarem os prejuízos.
“Avaliamos os riscos e benefícios e vemos se vale a pena medicar e correr o risco dos efeitos colaterais”, afirma o médico. Segundo ele, o ambulatório do HC atende quatro meninos para cada menina.

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